o preço..
as memórias estão numa caixa.. conclui ela. 67 anos e papéis amarelados.. essa é a minha vida agora.. que jeito mais besta de viver.. viver esperando seu papel desfazer.. acende um cigarro e segue arrastando seu corpo pendente e roliço pra janela.. olha a rua lá de cima.. um dia quis morar na vila madá.. riso torto entre as veias que lhe correm o rosto.. ehh vila madá.. bons tempos aqueles.. credo já to até pensando como velha.. pesado isso de se saber.... velha. Tinha tirado todos aqueles espelhos da casa.. não suportava o peso do tempo naquela pele branca de brancura suave e plácida.. com umas marcas de tanto cigarro.. fumava só nas butecadas! se orgulhava ela.. e só biscoito fino.. ahá!.. e.. fui feliz. Escolhas, cara.. escolhi cada centímetro disso daqui e.... olho.. olho.. e não vejo nada........ se arrastou denovo, denovo pendente.. olhou o quarto.. a cama arrumada, terminada.. a vida arrumada, terminada.. olhou pras suas coisas.. perfume.. batom.. e pó. Pó do tempo, pó de memórias.. olhou a caixa.. fitou-a por uns instantes.. instantes? tinha-os todos agora.. podia fazer o que quisesse, pensou.. mas não podia... mal conseguia abrir a caixa.. mal aguentava os velhos espelhos pequenos que manteve em poucos cantos só pra não levantar suspeitas.. mas suspeitas de quê.. pra quem... ninguém mais ia ali e essa frase lhe doía a boca.. seca... sozinha.. ela mesma esquecida numa caixa... era a caixa que lhe sustentava.. era nela que estava presa.. prêsa.... presa de si.. prêsa do mundo. abriu a caixa.. o coração meio mole, meio de outros, quase não mais dela.. se não lhe batesse no peito..... conteve-se. olhou o teto.. eu tinha estrelas no teto... daquelas bem pequenas.. as grandes não tem graça e.. deitou. lembrou que sabia achar duas constelações: uma no inverno, uma no verão.. e que isso lhe rendera histórias.. meu fantástico mundo... o que se projeta de futuro quando o passado é só o que dá pra ver ao se abrir os olhos?.. futuro.. besteira de existencialista.. levantou a cabeça com ar de resoluta! pára com isso, pára de se lamentar véia.. você tem amigos.. talvez netos.. esse vazio é normal.. o Franklin falava disso.. mas.... a caixa. Olhou-a, era meio torta que nem ela mesma.. pegou-lhe.. pegou o que de si tinha nela.. sorriu... uma fraude!.. e tornou a fechá-la. E esse vazio no peito e na boca...... vendi o peito pra comprar as passagens. Balbuciou meio irônica..
Abriu a porta e foi.
Abriu a porta e foi.
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